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O Self e o Vazio Existencial

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Todos nós temos um abismo interior. Todos temos esse vazio do qual fugimos e tentamos preencher a qualquer custo sempre com coisas externas do self como experiências, trabalhos, pessoas, emoções… Não deixamos espaço para nada. Construímos uma ideia cristalizada de “ser” exatamente para preencher esse espaço, não nos permitimos deixar espaços vazios, queremos fechar o conceito de “eu sou” hermeticamente, de forma que não entre e nem saia nada e assim nos estagnamos numa forma suficientemente confortável, mas que normalmente não nos deixa satisfeitos.

Imagem representativa do self e sua complexidade

A insatisfação nos leva a buscar a transformação e aí entra a dificuldade, o tremendo esforço que precisamos fazer ao querer mudar, pois nos fechamos tanto, nos endurecemos tanto em nossas formas de ser, que qualquer mudança exige um trabalho árduo de quebra e de desapego. Alguns desistem, outros se esforçam e conseguem passar por esse processo tão doloroso e difícil, porém após a transformação se cristalizam novamente numa outra forma de ser. Dessa maneira vamos passando de ciclo em ciclo, sem nunca aceitar a fluidez, a maleabilidade do ser, sentimos falta de quem éramos no passado, planejamos quem vamos ser no futuro e fincamos os pés na terra afirmando com toda a força quem somos no presente.

Nos apegamos a diagnósticos, patologias, qualidades, defeitos, julgamentos alheios, julgamentos internos, conceitos sociais e morais… nos apegamos a toda essa ilusão para poder afirmar a frase mais dita em um consultório terapêutico “eu sou assim“.

O que torna alguém um indivíduo? Quero saber mais!

Esse conceito de “eu sou”, ou seja, nosso ego, segundo a psicanálise é formado apenas por estímulos externos, desde que estamos no útero, estímulos externos que absorvemos, somamos e cristalizamos dentro de nós. E o que vem antes disso? Existe um lado de dentro antes disso tudo, não é mesmo?

Para a Teoria Junguiana esse “interior consciente” que precede todos os estímulos externos, seria o que Jung chamou de Self. O Self seria quem realmente somos e não o ego. O ego é apenas uma identidade criada a partir do externo. O Self seria um centro onisciente organizador de toda a psique. Nossa totalidade.

E porque é tão difícil sentir, entrar em contato com esse Self?

O que percebo hoje com a minha experiência clínica e de vida é que temos medo dele. Temos medo de abandonar a nossa ideia cristalizada de identidade, porque ela nos traz segurança, afinal “quem eu sou se eu não for isso aqui que eu sempre fui”? Tememos o desconhecido. E tememos também o vazio potencial que é o Self.

Vazio potencial? Como assim? Vou explicar:

Pense no universo. Para nós o universo é infinito, pois ele é tão grande que não conhecemos o seu fim. O universo é tudo que existe e ao mesmo tempo é um espaço vazio gigantesco, pois entre cada planeta, cada galáxia, cada sistema, existem infinitos quilômetros de distância de vazio, de vácuo, de nada. Hoje já existem teorias da física que afirmam que esses espaços vazios podem conter sim elementos os quais desconhecemos, não somos capazes ainda de medir ou perceber.

Ou seja, pra gente é vazio porque não vemos, desconhecemos o que existe, mas exatamente porque não vemos, não sabemos, é onde pode conter qualquer coisa. O vazio potencialmente pode conter tudo.

O Arcano “O Louco” do Tarot representa exatamente esse simbolismo do nada que pode ser tudo. O Louco pode ser o primeiro arcano, o arcano 0, ou o último arcano de numero 22. Ele representa exatamente esse vazio potencial, um espaço neutro que está pronto e aberto para viver todas as experiências do caminho. O potencial para ser qualquer coisa. O potencial para ser tudo. Que de fato ele também é, ele fecha em si mesmo todo o caminho como arcano 22.

Quando sentimos o vazio dentro de nós é exatamente o momento da potencialidade de Ser. O momento em que estamos prontos para aceitar, receber algo novo e abertos para viver as experiências como elas realmente são. Se fugimos dessa sensação, se entendemos o vazio como algo negativo, continuaremos a procurar preencher o máximo possível e não deixaremos nenhum espacinho para a mobilidade do ser. “Entulhamos” nosso quarto interno e a bagunça se instala.

  • preciso abrir espaço, é preciso jogar fora o que já não serve mais, desapegar.
  • preciso estar aberto também para o “não ser”, porque afinal precisamos sempre nos definir? Porque não estar aberto e livre para a fluidez da vida?

Existem diversos mitos e contos que falam sobre esse processo, na minha opinião um dos mais fortes é o mito de “Eros e Psique“. Depois que Psique percebe que vivia num mundo de ilusões, ela precisa passar por algumas tarefas antes de reencontrar Eros, e sua última tarefa é ir para o reino de Hades (que representa o inconsciente e a morte simbólica). Porém ela é humana e os humanos não voltam de lá. Mesmo sabendo disso ela precisa ir, ela precisa abrir mão de tudo e se jogar no abismo sem saber se vai voltar. E é assim que ela se transforma, amadurece e renasce como uma semi deusa.

O abismo é o nosso próprio Self. Precisamos nos jogar nesse desconhecido vazio potencial, sem saber quem vamos ser ou como vamos ser depois disso, apenas confiando que já somos. Simples assim. Confiar em nós mesmos, confiar em nosso processo interno. Nós não passamos por processos, nós somos os processos. Desapegue da ideia fixa de ser de determinada forma, e você estará livre para simplesmente Ser.

Qual a origem do conceito de Self? Clique Aqui!

 

Vanessa Martins é formada em Psicanálise Freudiana e Pós Graduada em Teoria e Prática Junguiana na Universidade Veiga de Almeida no Rio. Trabalha com atendimento clínico individual, adulto e infantil, tendo ministrado diversos cursos e workshops no Rio e em Campos. Sempre buscando alternativas para cuidar da saúde física e mental de seus clientes, Vanessa fez diversas formações como a formação na linha de Florais "Terapia de cristais Dharma", formação no estudo do Tarot Mitológico, em Aromaterapia e em Numerologia Cabalística. Também aprofundou seus estudos em diversos métodos de meditação e agregou à clínica, desde o início de sua carreira, conhecimentos da filosofia oriental como a prática de meditações, exercícios do yoga e dicas da medicina ayurvédica. Hoje trabalha com a prática de meditação na clínica associada ao processo terapêutico, tendo ótimos resultados.

8 COMENTÁRIOS

    • Oi Carina, que bom que gostou!
      Então… depende do interesse Carina… existem muitos livros junguianos que tratam do assunto.
      Você pode começar com o livro: “Fundamentos da Psicologia Analítica!”
      Espero que ajude.
      Abs,
      Lino

  1. Oi Carina. Que bom que gostou do texto! Eu indicaria além da indicação do Lino “O eu e o Inconsciente” das Obras Completas de Jung. E não tanto sobre o conceito de self, mas sobre o transcendente: “O segredo da flor de ouro”.

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