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Maternidade e Profissão hoje!

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Maternidade e profissão hoje

É um pouco complicado e delicado comparar as mães e avós de ontem com as de hoje. Nosso tempo é hoje. E as condições de maternidade mudaram muito rapidamente. Se pensarmos que a pílula anticoncepcional é de 1960! Há pouco mais de 50 anos a mulher é dona de seu próprio desejo, de seu corpo, de sua sexualidade. Há coisas preciosas na vida de nossas avós que talvez tenhamos perdido, como há também bens conquistados pelas mulheres modernas. Cada geração tem suas perdas e seus ganhos. É recente a situação da mulher exercendo dois papéis, de mãe e de profissional trabalhadora, e isso tem sido vivido muitas vezes como sobrecarga. Quando se fala nesse assunto há que se levar em conta, principalmente no Brasil, a classe sócio-econômica a que se refere. Uma mãe de classe econômica baixa que deixa seu filho com a vizinha e vai trabalhar a quilômetros de distância de sua casa- muitas vezes cuidando do filho de outra mulher-, para voltar somente no fim do dia, é completamente diferente da mãe que também trabalha mas tem uma empregada, ou escola, um celular, um carro que a leva a almoçar em casa, ou outras facilidades desse tipo. Se pegarmos a classe média alta, que foi uma amostra que estudei no meu mestrado [1], é possível afirmar algumas coisas. Essa mulher conquistou um espaço importantíssimo de autonomia pessoal, onde decide o que quer fazer, quando ter filhos, como conciliar essa decisão com a sua disponibilidade interna para isso. Hoje, um casal pode adiar a maternidade até o momento desejado, tendo toda uma tecnologia a lhe dar suporte. Mas podemos olhar com certa intriga para os inúmeros casos de infertilidade e de complicações para a gravidez que nos cercam nos últimos tempos (e, por conta das fertilizações in vitro, toda uma geração de gêmeos surgindo). Há um desequilíbrio sendo apontado pela natureza, concorda?

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A questão principal a se focar é sempre, e não outra, a forma como se lida com as coisas. Conciliar maternidade e profissão é possível, mas o como se faz isso é o “pulo do gato”. Não adianta dizer que os cinco minutos que estou com meus filhos valem porque têm qualidade. Esse discurso “caducou”. Se eles forem crianças pequenas, ainda em formação, precisam de qualidade e quantidade também. Cinco minutos não bastarão.

Alguns conceitos estão se transformando nesses últimos anos, com a observação das relações mães-bebês, e modos diferentes de pensar a criança, a educação e a saúde mental. Aquela ideia das nossas avós e mães de que não se devia pegar o bebê no colo pois ele se acostumava e ficava manhoso, por exemplo, é algo totalmente ultrapassado. Hoje sabe-se que é preciso e necessário que o bebê tenha muito contato físico, principalmente nos primeiros meses de vida, quando ele forma a noção psíquica de corpo; ganha contornos que lhe serão fundamentais para estabelecer uma relação de segurança com o mundo. Não quer dizer que quem não teve colo na infância, terá necessariamente que desenvolver uma psicose. Exagero. Não é isso. Mas observar a importância dessas atitudes nos fala, por exemplo, de como é fundamental a presença física da mãe, que terá que conciliar sua vida pessoal com a profissional. Hoje vemos também mulheres tendo filhos mais velhas, e muitas vezes isso dá a elas uma tranquilidade maior para estar com eles, quando o desafio profissional já não é um bicho-de-sete-cabeças.

As crianças de hoje também aprendem a lidar com essa realidade de ter uma mãe que é, além disso, uma pessoa, com desejos próprios. A maternidade não ocupa mais a totalidade da vida da mulher, e os filhos se adaptam a essa nova realidade. Eles crescem com o modelo de alguém que vai batalhar por uma satisfação pessoal. De novo, a saúde dessa situação depende do como isso é posto em prática. Educar é uma das tarefas mais difíceis do ser humano. Ela exige um confronto com os próprios limites, uma aprendizagem constante, uma exigência de contato com as diferenças; é um trabalho, ao mesmo tempo  hercúleo e delicado. E é talvez um dos menos reconhecidos – pelo social e por nós mesmos.

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Vivemos uma sociedade tipicamente patriarcal, onde o feminino é visto como menor (veja a diferença de salários entre homens e mulheres que exercem o mesmo cargo. Isso é um absurdo!) No mundo do consumismo e da materialidade, pouca atenção se dá a valores subjetivos na formação da pessoa, ao brincar, ao tempo compartilhado.

Da perspectiva das famílias, as crianças e os jovens que nascem na contemporaneidade encontram um panorama diverso daquele vivido há muito pouco tempo. Com a aceleração das coisas que estamos testemunhando, é também exigido deles uma prontidão para mudanças constantes. Vejam as famílias reconstituídas: você pode nascer num núcleo em que sua mãe vive com um homem que não é seu pai e no quarto ao lado há um bebê que é seu meio irmão; e quando você vai visitar seu pai biológico, o encontra com uma criança na sala, que não é seu irmão, mas filho da nova mulher dele que está grávida; vem aí seu novo meio irmão! Complexo, não? Sim, mas esta é a nova realidade que temos que encarar. Há que se considerar que as relações ou as bases afetivas que constituem esse emaranhado devem ser foco de atenção e cuidado. A consanguinidade, por si só, não é o fundamental e sim a qualidade do vínculo. A própria ideia de família é outra. Família é o núcleo afetivo que reúne um par e seus filhos, seja esse casal hetero ou homoafetivo, sejam essas crianças filhos biológicos, fertilizados, implantados, adotados.

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As pessoas perguntam se é possível haver saúde com tantas alterações no modelo da família nuclear, e eu penso que sim. Novamente voltamos à questão do “como”. A forma como implementamos os nossos vínculos, o respeito aos limites e à intimidade dos nossos pares e próximos, o olhar apontado para a troca e a valorização do outro, tudo isso pode criar um campo onde a criança cresça psíquica e corporalmente saudável.

E Jung? Onde ele entra nisso tudo? A psicologia analítica inaugurada por Carl Gustav Jung nos deu recursos e ferramentas para pensarmos a psique de um modo dinâmico, para experimentarmos o nosso caminho não como uma fotografia estática mas antes, como um filme em 4 D,  para atentar ao feminino como princípio e abrir os ouvidos e a intuição para o invisível. Nos ensinou a enxergar o símbolo onde sempre vemos a concretude das coisas. Colocar esses conhecimentos em prática, eis o diário desafio.

[1] Mestrado pela PUC-SP, transformado em livro e publicado pela editora Casa do Psicólogo com o titulo “Maternidade e Profissão: oportunidades de desenvolvimento”.

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